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Foto do escritorDircélio Timóteo

Chuvas no Saara mostram um futuro incerto de um planeta assolado por eventos climáticos extremos

Mesmo com impactos positivos, como florescimento e a maior disponibilidade de água, além do ressurgimento de lagos, especialistas explicam que as inundações nas dunas também provocam prejuízos

(foto: Reuters)


As chuvas recentes que surpreenderam o deserto do Saara levantaram uma série de questões sobre o comportamento climático na região. Com enchente rara, foram formadas lagoas entre as dunas, o reaparecimento de lagos — como o Iriki, no Marrocos, que estava seco há mais de 50 anos — e o florescimento da vegetação local, algo praticamente inexistente no cotidiano do Saara.


Anita Drumond, pesquisadora do GrEC (Grupo de Estudos Climáticos), em conjunto com a professora Rosmeri Porfirio da Rocha, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG), ambos da Universidade de São Paulo, esclarece que, embora a causa exata dessas precipitações não tenha sido totalmente compreendida, algumas pistas podem estar relacionadas ao aquecimento das águas oceânicas. Segundo elas, esse fenômeno pode ter alterado a posição da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), uma banda de chuvas que se organiza nas imediações da Linha do Equador por todo o globo e migra na direção norte-sul ao longo do ano.


Mudanças atmosféricas


Tradicionalmente, o Saara é caracterizado por altas pressões e movimento descendente do ar, condições que inibem a formação de nuvens e chuvas. No entanto, em agosto de 2024, as temperaturas da superfície do mar no Atlântico Norte, no Mediterrâneo e na costa da Guiné estavam mais quentes, o que fez com que a ZCIT se deslocasse cerca de 200 a 300 quilômetros ao norte. “Isso possibilitou a ocorrência de chuvas mensais acima de 100 milímetros por mês, onde normalmente chove menos de 10 milímetros por ano”, complementa Rosmeri.


Além disso, Anita explica que, associado às chuvas, houve mudanças nos ventos e as pressões em superfície ficaram mais baixas do que o normal no norte da África. Ela afirma:


“Essas modificações na pressão e nos ventos favoreceram a entrada de um ciclone extratropical vindo do Atlântico Norte nos dias 7 a 9 de setembro, que produziu chuva acima de 100 a 200 milímetros por dia em várias regiões do norte da África”.

Impactos atuais e futuros


Os impactos imediatos dessas chuvas são visíveis na transformação da paisagem, no florescimento da vegetação, no reaparecimento de lagos e na maior disponibilidade de água para atividades humanas. Porém, a professora afirma: “Apesar de a chuva em uma região desértica ser benéfica, a chuva extrema pode causar prejuízos, como foi o caso de Marrocos, onde várias pessoas morreram. Os cenários de mudanças climáticas divulgados pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) indicam a maior frequência de eventos extremos em várias regiões do globo, inclusive no deserto do Saara”.


Rosmeri explica que, como esses eventos extremos poderão ocorrer com maior frequência em um planeta mais aquecido, é prioritário desenvolver políticas públicas para diminuir os impactos negativos, como mortes e destruição de infraestrutura, já que as populações locais não estão preparadas para lidar com chuvas tão intensas. A professora destaca que algumas análises de cenários de mudanças climáticas com condições extremas de poluição indicam o deslocamento da ZCIT para o norte, observado durante as inundações no Saara.


“Ainda não podemos afirmar se esse deslocamento se manterá nos próximos anos. De qualquer forma, sabemos que os eventos extremos serão mais recorrentes em um planeta mais aquecido”, conclui.

As chuvas também causaram grandes impactos visuais, com destaque para o retorno do lago Iriki. Mesmo sendo um acontecimento notável, a docente entende que não é o suficiente para mudar permanentemente a geografia da região, e finaliza: “Para mudar um ecossistema é necessário mudanças de longo prazo no clima. E ainda não está claro se as anomalias de chuva estiveram associadas aos fenômenos de variabilidade natural, como a transição do El Niño para La Niña e o fenômeno do El Niño do Atlântico, ou às mudanças climáticas”.


Fonte: Jornal da USP / Davi Caldas




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