Apesar de nossos melhores esforços, todos nós julgamos os outros. Pode ser por pequenas coisas, como um colega de trabalho que levou muito tempo de uma pausa para o almoço. ou pode ser por questões maiores.
Reza a lenda que, em uma tarde de sábado, um adolescente deu entrada no hospital da cidade em estado gravíssimo. Acabara de sofrer um acidente e precisava passar por uma cirurgia de emergência. Isso aconteceu em um município pequeno, não muito populoso. O médico responsável pela operação demorou um pouco a chegar e o pai do garoto estava consternado com a espera. “A vida do meu filho depende desse homem!”, exclamava pelos corredores.
Quando o médico apareceu, ouviu uma série de insultos. Terminado o procedimento, o cirurgião saiu às pressas, restringindo-se apenas a dizer que tudo correra bem, o que deixou o pai ainda mais irritado. “Ele não teve nem o cuidado de me explicar sobre o estado de saúde do meu menino”, indignou-se. A enfermeira, aproximando-se dele, informou que, pela manhã, aquele médico havia perdido o próprio filho e, por isso, saiu rapidamente do hospital, assim poderia chegar a tempo do enterro.
Conclusões à nossa volta
Um provérbio dos Cheyennes, indígenas norte-americanos. Diz que antes de enxergar as escolhas dos outros sob a perspectiva do equívoco, como se nossas soluções fossem sempre as mais propícias, precisamos caminhar pelas realidades em que vivem, com todos os seus desafios e complexidades.
Mas é possível sermos menos jurados das vidas alheias, sempre dispostos a lhes dar notas e críticas pelos seus desempenhos?
Sim, no entanto, antes de nos dedicarmos a essa tarefa, é preciso entender que não há ser humano que não julgue.
Todos nós, o tempo todo, observamos e tiramos conclusões sobre o que está à nossa volta.
Somos ensinados a isso desde pequenos, embora de maneira superficial. O julgamento, ao contrário do que costumamos pensar, não é reservado aos prepotentes e insensíveis.
“É uma capacidade fundamental de todos nós”, diz o psicólogo Paulo Pacheco. A grande questão é descobrir quais caminhos podemos percorrer a partir dele, evitando que seja um obstáculo às relações que criamos e às conexões que fazemos.
Primeira impressão
Pense nas vezes em que você achou a capa de um livro terrível, mas, ao folhear as páginas, aprovou o conteúdo. Ou quando considerou a fachada de um restaurante horrenda, mas descobriu que, para além das portas, havia uma comida deliciosa. Em todas essas experiências de tomar algo como negativo só pela aparência e depois descobrir que estávamos equivocados, navegamos pela superfície das coisas. E o que reside nesse lugar raso é a mera opinião, desprovida de qualquer conhecimento.
Supomos e, por isso, sentenciamos, como se existisse uma verdade absoluta de que, por exemplo, capas mal-diagramadas são reflexo de histórias igualmente ruins.
“É como uma régua”, afirma Paulo. “Quando eu abro as portas para julgar algo ou alguém, estou revelando a minha medida. Se meço a partir de uma percepção inicial, certamente estarei olhando para mim mesmo. Afinal, não tive tempo para conhecer quem, de fato, é aquela pessoa ou o que determinada situação representa”, pondera.
Além dos nossos julgamentos falarem mais sobre nós e a bagagem que carregamos do que sobre o outro, eles também revelam aquilo que nos causa incômodo.
A reação aos impulsos
Assim, fica mais fácil fugir dos nossos embaraços, lidar com as incertezas da vida e evitar os conflitos que nascem da existência saudável de diferentes pontos de vista. Uma vez que nos colocamos no lugar da não disposição para entender os motivos do próximo, apontar o dedo nos certifica estabilidade dentro daquilo que consideramos certo, justo e bom. A tarefa prática aqui é, sempre que surgir o desejo de criticar alguém, perguntar-se por que isso está incomodando tanto. Trazer consciência às nossas limitações nos permite sair do modo piloto automático, de apenas reagir aos impulsos que nos chegam, e passar a trabalhar para a construção de melhores relações com nós mesmos e, consequentemente, com os outros.
Espaços que conectam
Marshall Rosenberg, psicólogo americano e criador das técnicas da comunicação não violenta, acredita que, para que possamos lidar com a complexidade do relacionar-se com as pessoas, temos que criar uma linguagem que nos possibilite alcançar o respeito e a prosperidade mútuos. E um dos elementos fundamentais para que isso ocorra é a escuta.
Antes que ela aconteça, no entanto, precisamos cultivar o silêncio. Não no sentido da ausência de som que angustia e nos impulsiona a pensar no que precisará ser dito em seguida para quebrar tal sensação ruim.
O silêncio de que falamos aqui é aquele que viabiliza que olhemos para o que grita dentro da gente, para as urgências que são constantemente caladas pelos barulhos externos. Só depois de dar a devida atenção a ela é que podemos levar esse exercício para além de nós.
Observar, escutar e validar
Quando, a partir do exercício de observar, escutar e validar a vivência de outras pessoas, percebemos que os nossos interesses não são os interesses de todo mundo, e que as necessidades que temos não necessariamente são demandas de toda a humanidade, nasce a empatia – o sair do individualismo, de uma perspectiva egocêntrica, para compreender que existe muito mundo para além das nossas paixões. E, se é assim, o julgar perde força, dando espaço para o respeitar e o acolher. “Torço para que sejamos conscientes e questionadores para agir com coerência e para que todos possam viver o seu lugar no mundo, servindo ao próximo e sendo úteis, tendo como objetivo a construção e a evolução coletivas”, confessa Marcelo Justo.
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